Os meios de comunicação social, sejam nacionais ou locais, não devem apenas batalhar por tráfego e utilizar os mapas de métricas de audiência como critério editorial. Desta forma, estariam lutando no mesmo campeonato que a desinformação, sacrificando a qualidade da informação, defendeu Paulo Pena, membro do Investigate Europe, durante o webinar “Mecanismos de Combate à Desinformação”, realizado no âmbito do Seminário MediaTrust.Lab, que decorreu na manhã do dia 18 de julho.
Enquanto a lógica do clickbait orienta a produção de desinformação, esta mesma lógica não deve nortear a produção jornalística, ele defende.
“Os meios de comunicação social não podem competir por um volume de tráfego online, é uma ideia errada. O principal erro que o jornalismo não pode cometer é batalhar no mesmo campeonato da desinformação”, disse Paulo Pena.
O jornalista explica que a desinformação se alimenta da viralidade e da possibilidade de ganhar dinheiro com publicidade paga. “Quanto mais cliques, mais dinheiro a desinformação vai gerar. Eu estudei um site em português, que era feito no Canadá, em Québec. Um site de publicidade que tinha sites de desinformação em português, tinha um editor e produzia 10 mil euros por mês. Os casos mais conhecidos que estudei era desinformação com objetivo de ganhar dinheiro. Depois do incêndio de Pedrógão [Grande] veio um site, Bombeiros 24. Entrevistei o autor que era um [estudante] universitário que tinha uma ideia de negócio a partir da desinformação, coisa que ele não considerava que fizesse”, destaca.
Portanto, Pena defende que o jornalismo não se pode confundir com desinformação da forma como angaria dinheiro do ponto de vista da publicidade online. “O jornalismo não deve guiar-se pela busca do clickbait”.
Pena sugere que as redações tirem todos os gráficos em tempo real de audiências das redações. De acordo com o especialista, eles introduzem um critério editorial nocivo à forma como as redações trabalham. “Os gráficos introduzem um outro critério ainda pior, que é o da autocensura. Porque se meu texto não está no top 10 não vou introduzir temas como a venda de agrotóxicos ou outros temas sociais, se o que dá cliques é a declaração do André Ventura sobre exterminar populações inteiras ou sobre a venda de um jogador no mercado do futebol”, explica.
Dois fatores incluídos na prática jornalística mais recente, no entanto, podem gerar desafios endógenos. A primeira, pontua Pena, é a velocidade.
“A ideia de que temos que dar primeiro a notícia, as breaking news, para ganhar relevância no algoritmo do Google mesmo se a notícia não estiver 100% e a melhorar ao longo do tempo, essa forma de produzir é problemática, pois o jornalismo passa a publicar informação que não é verificada. Temos exemplos cada vez mais frequentes nos meios de comunicação tradicionais disto. A falta de cuidado com a informação derruba a perceção pública de que há um mundo que separa a desinformação e a produção jornalística”, afirma.
Outra questão é a utilização da polarização e do ódio nos programas jornalísticos, em especial na televisão nos EUA. “Não foi a desinformação que passou a organizar a informação em prós e contras, em preto e branco. O jornalismo já fazia isso nos EUA, organizados em eixos de identidade política. As televisões passam a ter um viés da forma como leem o mundo. Se há um assunto que é polêmico, não podemos ouvir o pró e o contra. Por exemplo, sobre as alterações climáticas, vamos ouvir um negacionista das alterações climáticas? Essas questões não têm dois lados”, refere o jornalista de investigação.
A comunicação social também usa o ódio como motor da sua relação com o público, ele aponta. “Quando declarações falsas, bombásticas ou agressivas são utilizadas, façam o exercício de passar um dia numa sessão parlamentar. O escolhido para o jornal é o mais bombástico, aquilo enviesa a informação do ponto de vista do antagonismo. Queremos criar antagonismo porque a normalidade é a antítese do jornalismo. Nós fazemos a filtragem das declarações para usar as mais fortes. A desinformação serve para isso também, para criar animosidade, onde os políticos são vítimas e agentes da desinformação.”
Apesar dos desafios, Pena acredita que ainda há espaço para liberdade e emancipação na internet a partir da combinação de regulação e da contribuição da comunidade. “É um paradoxo termos tanto acesso a informação, ser tão simples descobrir com uma pesquisa simples algo escondido, e sentir que estamos cada vez menos informados. Em relação ao jornalismo, a solução passa por não priorizar o antagonismo e o sensacionalismo como assuntos, e no âmbito dos indivíduos, não clicar em sites manhosos para não dar dinheiro a eles. Eu continuo a acreditar no sonho emancipatório e de liberdade que é o da internet, mas não como está hoje”, afirma.
Os jornalistas também podem contribuir com estratégias e ferramentas, incluindo ter ceticismo sempre, saber resistir ao óbvio, e ter curiosidade. “A curiosidade é importante para o jornalismo. Aquele texto não vai aparecer no gráfico como mais lido, mas vai-me fazer renovar a assinatura, pois não quero ler a repetição. O ceticismo e a curiosidade são importantes, e olhar para o que fazemos com um olhar de compromisso social, é um compromisso com os leitores e não com o administrador do jornal, nem com a fonte, é com os leitores e temos que ser independentes por causa disso. E o nosso método tem que ser a prova de bala”, conclui.
Por Luísa Torre