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Melhorar o jornalismo para combater a desinformação

António Granado e Miguel Crespo participaram da mesa redonda “Boas Práticas no Jornalismo e Promoção da Confiança”

Os jornalistas e docentes universitários António Granado e Miguel Crespo debateram as práticas jornalísticas em meio ao desafio da desinformação em Portugal, na mesa redonda “Boas Práticas no Jornalismo e Promoção da Confiança”, no âmbito do Seminário MediaTrust.Lab, que decorreu na tarde de 18 de julho.

“Eu sinto-me mais preocupado com a contribuição que os jornalistas podem fazer para a desinformação, que a desinformação de forma geral. Do ponto de vista do jornalismo, esta é a que me preocupa mais”, disse António Granado, co-coordenador do mestrado em Comunicação de Ciência na NOVA FCSH.

O também jornalista explicou que a primeira obrigação do jornalismo é com a verdade, “então se não temos certeza não publicamos. Se outros vão publicar primeiro, azar, só podemos publicar quando tivermos certeza de uma informação. Não se conseguiu confirmar, não se conseguiu ter a certeza do que se passou ali, então não se publica”.

Granado acredita que a contribuição para desinformação pode vir às vezes também de uma obrigação que os jornalistas sentem de que é preciso ouvir o outro lado da história. “A questão de balancear as histórias, esse balanço às vezes contribui para algo negativo que é ouvir pessoas que não tem conhecimento sobre o tema. Os jornalistas ouvem, as fontes não têm conhecimento sobre o tema em que estão a opinar e isso confunde os espectadores”, explicou.

Miguel Crespo, investigador assistente no CIES-IUL e no OberCom, subscreve. “Durante a pandemia, tivemos todas as questões da pseudociência. Não há outro lado a ouvir, só há o lado da ciência. O jornalismo não pode dar espaço a qualquer louco com uma teoria.” Crespo também acredita que alguns processos no jornalismo português precisam ser melhorados para que a confiança nos media possa aumentar.

“Há algumas semanas vimos a notícia sobre [se o ministro] Pedro Nuno Santos ia renunciar ou não renunciar. Por volta das 14h30, quando Pedro Nuno Santos ia entrar para a reunião com António Costa, um dos nossos jornais diários publicou no seu site que ele se demitia ou o António Costa o demitiria. Três minutos depois, as rádios já diziam que ele se demitia. Como sabemos, nenhuma das coisas se verificou, e são os jornais a brincar de redes sociais. Não era uma notícia, só uma especulação, não há fontes. Um cidadão comum vê isto, o que está errado é o jornalismo. Isso é gravíssimo pois são muitos portugueses que deixam de confiar no jornalismo”, lamenta.

O também jornalista pontua que essas dinâmicas têm a ver com a tal aceleração e a velocidade que se impõe sobre a rotina jornalística. “Se calhar é uma visão pessoal, mas o caminho do jornalismo não é ir atrás da rapidez, porque a rapidez não traz nada de bom ao jornalismo. É preciso dar notícias quando são relevantes. É preciso dar 100 notícias por hora? Não. Se calhar é mais interessante dar cinco notícias por hora”, afirma.

Os dois profissionais também refletiram sobre o fact-checking e seu estatuto enquanto jornalismo. “O problema é que, quando o jornalista falha, abre-se espaço para outras coisas. Digamos que se não tivesse havido no passado recente falhas no jornalismo, não teria o que conhecemos como fact-checking. Abriu-se um nicho de mercado que foi ocupado com suas virtudes e defeitos. Se estamos a falar de um novo género jornalístico ou não, vamos deixar que o tempo passe e logo veremos. É uma questão muito discutida se fact-checking é ou não jornalismo, até porque o produto final não se enquadra diretamente nos critérios do que é jornalismo”, observa Crespo.

Granado, por sua vez, lembra que o fact-checking é algo obrigatório devido a quantidade de informação que as pessoas trocam nas redes sociais, mas tem dúvidas se o jornalismo ganha ou perde mais com o fact-checking. “Em relação ao Polígrafo, por exemplo, 90% do dinheiro que o sustenta vem do Facebook. É interessante haver a parceria da SIC, mas 96% do dinheiro provém de um único financiador”, afirma.

Um problema, antigo na visão de Crespo, e que impacta fundamentalmente o jornalismo, é que as pessoas não querem pagar por notícias. “Não mudou assim tanto. A generalidade das pessoas não quer pagar por notícias. Não se pagava pela rádio e pela televisão pagava-se uma taxa obrigatória. Mas havia muita publicidade. Hoje, o mercado português investe metade dos recursos em plataformas internacionais e o dinheiro vai para fora do país. Jornalismo é das profissões que existem que mais dependem da mão de obra. Exige mais pessoas para produzir qualquer coisa, se calhar mais que uma manufatura que pode ser robotizada. Vejo a participação das audiências como algo muito difícil em regiões onde há muitíssimas outras questões para resolver, então vejo como algo muito difícil. As audiências acabam por se conformar com o fato que as notícias de sua região são quase zero”, refere.

A falta de meios em diversos concelhos – fenómeno conhecido como “deserto de notícias” – é, certamente, um problema não só ao jornalismo como também para a democracia, diz Granado. “Para mim democracia sem jornalismo não faz sentido. Além disso, na generalidade dos concelhos do país, há um déficit gritante de jornalismo local, mesmo quando há jornalismo local. A maioria dos meios que existem são muito pobres tanto em termos financeiros quanto em termos editoriais. Aquilo que é publicado quando há jornalistas com carteira e está registado na ERC são publicações da Câmara Municipal, notícias sobre o restaurante da cidade e a loja local, não é jornalismo propriamente dito”, afirma.

Para ele, fortalecer o jornalismo de proximidade passa também por novos modelos, como por exemplo o funcionamento a partir de um trabalho em rede. “Uma lógica em que produzem todos por todos, é uma lógica funcional que poderia estar espalhado pelos concelhos. Se houvesse algo nesse sentido, poderia haver uma redação a produzir bom jornalismo. Talvez falte incentivo, talvez falte financiamento. Os meios nacionais mostram que só há coisas efetivas entre Lisboa e Porto e só se lembram do resto do país quando há queda de neve ou incêndios”, conclui.

Por Luísa Torre