Categorias
Análise Anúncios

O caso da (quase) restrição da conta do Chega! no Facebook

O Chega! anunciou que as atividades da página do partido no Facebook teriam sido restringidas por 10 anos, medida que é usualmente imposta por violação do termo de uso ou de diretrizes de comunidade, que são o conjunto de condições para adesão ao serviço e de regras que estruturam as atividades de moderação de conteúdo. A conta, assim, teria ficado impedida de executar atividades, tais como publicar e reagir a conteúdos, por 3649 dias. Um dia depois, entretanto, há novas publicações e aparente normalidade no funcionamento da página do Chega!, o que levanta questões sobre transparência, acesso à informação e efetividade na aplicação de políticas por parte das plataformas. 

Não há comunicado visível aos utilizadores sobre o que esteve em causa e quais foram as restrições impostas à conta. Além disso, a rápida e provável restauração de contas infratoras parece enfraquecer o efeito da punição prevista e evidencia o quão frágil é a aplicação das políticas pelas plataformas digitais. Não é a primeira vez que o partido e suas lideranças recebem punições graves de plataformas digitais. Em fevereiro de 2022, foi anunciado que a conta do líder do partido, André Ventura, que até aquele momento já havia sido banida oito vezes, teria sido excluída em definitivo do X. O motivo teria sido violação das “regras contra conduta de ódio” dirigida à comunidade islâmica residente em Portugal. Apesar disso, apenas dois dias depois a conta foi restabelecida. O vice-presidente do Chega, Pedro Frazão, também foi punido na mesma altura por “usos abusivos de mútiplas contas” no Twitter, mas teve conta restaurada. Também em 2022, Frazão foi obrigado a retratar-se por publicar afirmação falsa no Twitter e, em 2024, passou a responder a outro processo judicial, desta vez por difamação agravada

Em geral, plataformas digitais evitam banir contas de políticos eleitos e partidos políticos por considerá-los parte do sistema político e, por isso mesmo, objetos permanentes de escrutínio público. À exceção da crise da Covid-19, contexto que ensejou atualização de políticas para possibilitar que plataformas pudessem remover publicações com negacionismo e orientações contrárias às recomendações da OMS e de autoridades públicas, representantes eleitos geralmente aproveitam-se do entendimento de liberdade de expressão das plataformas digitais, oriundo da tradição da primeira emenda da constituição norte-americana e aplicado globalmente, para divulgar informações falsas, discursos perigosos e discursos de ódio nesses ambientes. Embora um enquadramento regulatório relativo à atividade de moderação de conteúdo de plataformas digitais ou a maior supervisão da lei pudessem incidir contra abusos e ilegalidades online, também as próprias regras das plataformas, que devem ser respeitadas por todo universo de utilizadores, poderiam coibir a propagação de ideias iliberais se fossem elas bem executadas.

Grosso modo, sabe-se que plataformas da Meta estão entre aquelas que mais possuem e mais aplicam políticas de moderação de conteúdo a fim de coibir, por exemplo, contas e conteúdos inautênticos, comportamento violento e danoso, ilegalidade relativa ao uso de dados pessoais e violação de direitos. No relatório de transparência fornecido à União Europeia por obrigação do Regulamento de Serviço Digital, a Meta informou que, no Facebook, entre abril e setembro de 2023, foram tomadas medidas contra 2.822.565 conteúdos contendo discurso de ódio na UE, sendo que 2,573,529 tiveram volume removido por automação, e 442,325 foram os casos de reclamações relacionadas à moderação de conteúdo sobre ódio, sendo que 175,285 foram atendidas e tiveram conteúdo restaurado

“Censura” como tática de vitimização da extrema direita

Depois de anunciado ter tido a conta do partido restrita no Facebook, o Chega! qualificou a medida como “claramente ilegal” e “perseguição inqualificável”. Na esteira de acusações incisivas de Jair Bolsonaro e seus apoiadores, respaldadas por Elon Musk e a ala da extrema direita global, em rejeição às medidas judiciais que visam a retirada de conteúdo e suspensão de contas por parte de instâncias superiores e do ministro (equivalente a conselheiro em Portugal) Alexandre de Moraes no Brasil, o Partido Chega! optou por caracterizar a aplicação da política por parte do Facebook como “um dos maiores ataques à liberdade de expressão” e “inadmissível censura”. André Ventura também optou por vincular a medida restritiva imposta à página do Chega no Facebook ao caso do Brasil.

Publicações do Chega! no X em 14 de abril

Publicações de André Ventura no Instagram em 15 de abril

De acordo com o noticiário, a sanção foi aplicada depois de a página do Chega no Facebook publicar um vídeo que combinava imagens de um crime com intervenção de André Ventura realizada no Parlamento em que reforça estigma à comunidade cigana. “(…) em muitos casos de violência em Portugal, em muito do terror que tem sido provocado às nossas populações, os portugueses sabem que um dos grandes problemas que temos é com a comunidade cigana. A publicação continua no ar e habilitada para interação. 

No caso da Meta, discurso de incentivo ao ódio é classificado como conteúdo censurável e significa “ataque contra pessoas – em vez de conceitos ou instituições – com base no que denominamos características protegidas: raça, identidade, etnia, nacionalidade, deficiência, afiliação religiosa, casta, orientação sexual, sexo, identidade de género e doença grave”. Conteúdos publicados no Facebook, no Instagram ou no Threads, portanto, não podem possuir “conteúdo desumanizante, estereótipos prejudiciais, declarações de inferioridade, expressões de desprezo, repugnância ou indiferença, palavrões e incentivo à exclusão ou segregação”. O uso de insultos para ataques é, portanto, objeto de remoção, enquanto para fins de condenação, sensibilização, fortalecimento e autorreferência não violam de modo direto as regras. Não são facilmente encontradas informações sobre o tipo de sanção aplicada por incorrer ou por reincidir em discurso de ódio.

Por Tatiana Dourado