A falta de meios de comunicação social nos territórios mais pequenos e a pouca visibilidade que estes têm nos meios de âmbito nacional, exceto quando há tragédias, traz desafios para o desenvolvimento regional e para a qualidade da democracia ao nível mais local. É a partir da visibilidade destes territórios nos media, que as populações e as economias podem ter melhores oportunidades de se desenvolver.
Estas foram algumas das ideias debatidas no Fórum “O papel dos media no desenvolvimento do(s) território(s)”, realizado dia 5 de dezembro, no Auditório da Biblioteca Central da Universidade da Beira Interior (UBI), numa iniciativa do MediaTrust.Lab. O debate teve a presença de Flávio Massano, presidente da Câmara Municipal de Manteigas, João Leitão, professor do Departamento de Gestão e Economia da UBI, e de João Moraes Palmeiro, diretor executivo do Aveiro Media Competence Center.
Os participantes no debate falaram sobre o papel da comunicação social na coesão dos territórios, a importância dos órgãos públicos na regulação, o apoio ao desenvolvimento dos media regionais, os modelos de negócios e a dificuldade de inovar, nomeadamente em territórios com baixa população e atividade económica.
“Atualmente o nosso município é um território sem qualquer meio de comunicação social. Manteigas teve, até há pouco tempo, e isso faz toda a diferença. A comunicação social é fundamental para ligar as pessoas, as culturas, os povos, e é a ligação da diáspora com o nosso território”, afirmou Flávio Massano. O referido concelho está, atualmente, naquilo que o estudo apresentado pelo MediaTrust.Lab na mesma ocasião designa com “deserto(s) de notícias”. Tratam-se de territórios onde não há meios de comunicação social que, com sede nos mesmos, realizem a cobertura jornalística dos assuntos locais. “Faz falta um semanário, mensário. Isso é importante também para o equilíbrio de poder”, sublinhou o autarca.
Flávio Massano questionou quando ainda sobre quando é que o interior é lembrado pelos meios de comunicação de referência em Portugal. “Quando há tragédias, que foi quando eu apareci na comunicação social [no incêndio da Serra da Estrela]. Naqueles dias, era a toda a hora, todo instante, os media queriam saber o que se estava a passar. E o segundo motivo principal, pegando nos noticiários de televisão, é quando temos o maior bolo-rei, o maior doce… que é informar banaldiades. Do interior, só interessam tragédia e banalidades”, apontou.
Mas o que está a acontecer com a informação noticiosa em Portugal? Para João Leitão, há um problema de qualidade de democracia. “Quando falo de captura das agências reguladoras, são questões que esbarram na qualidade da democracia e no papel do Estado. Não precisamos de mais Estado, mas de um Estado com outro nível de qualidade e sobretudo regulador. Que seja capaz de pensar uma visão digital, moderna, que antecipe a mudança que está em curso e que seja capaz de evitar a captura das agências reguladoras e dos agentes que estão no terreno, para que os media possam assumir sua função de literacia e capacitação”, referiu o professor da UBI.
Tudo que se puder fazer em particular com os media como motor do desenvolvimento regional, temos que fazer, defende o professor. “Não seria desejável ter, por exemplo, uma agência de notícias regional do centro e isto estar articulado com os princípios europeus de capilaridade?”, questionou.
Percebe-se, cada vez mais, a importância do apoio dos órgãos públicos como via de solução para a(s) crise(s) dos meios regionais, em especial para os desertos de notícias, afirma João Moraes Palmeiro.
“Percebemos a importância da problemática na Europa e elevou-se o tema à mesma importância que a discussão da desinformação e das literacias. Na passada semana, apresentamos em Bruxelas este novo estudo sobre ‘news deserts’ e há muito interesse em debater isto. Esta é a nossa missão, que estes temas não fiquem fechados entre nós, que sejam disseminados pelo máximo de pessoas”, adiantou.
Há lacunas em que o Estado tem que intervir, diz Flávio Massano. E o Estado tem que perceber que não intervindo vai contribuir para a desertificação, para este território não ser atrativo a visitantes, observadores, e também aos media.
“Em alguns territórios, como em Manteigas, se não houvesse redes sociais, poderíamos estar num período comparado à ditadura, pois não há informação. Já há desinformação, já há discurso extremista, ‘fake news’, discurso de ódio. Mas não há uma fonte fidedigna que transmita os fatos”, destacou.
Desafios para modernizar a gestão e inovar em modelos de negócio
Há um problema já mapeado que é o problema da qualidade de gestão dos media, uma questão que “dialoga” com a problemática dos desertos de notícia. Para isso, diz João Leitão, os centros de competência tem que ser financiados e nomeados para juntar as competências técnicas das universidades, politécnicos e laboratórios, e aproximá-los do mercado.
“O empreendedorismo no jornalismo ou nos media regionais não gera empregos, não gera desenvolvimento? Assim estamos sempre a bater na mesma tecla. A academia não se relaciona ao mundo empresarial. É preciso gerar integração, mas é preciso ter uma visão. Não pode ser uma lógica neoliberal, de deixar funcionar e o mercado vai decidir. Neste campo em particular, tão crítico e sensível ao nosso desenvolvimento, é preciso ter visão, política de regulação e filtros de qualidade com monitoramento e correção”, explica o professor.
Para João Moraes Palmeiro, falta cultura de inovação e organização para que os media regionais consigam alcançar modelos de negócio mais sustentáveis.
“Chegamos aqui porque há uma mudança dos hábitos de consumo e a indústria não soube acompanhar essa transição no mundo inteiro. As redes sociais levam 95% do investimento em publicidade global e só 5% são canalizados para os media. Porque o modelo de negócio deles [grandes plataformas e redes sociais] é altamente baseado em dados e a campanha tem eficácia. Há um problema grave de modelo de negócio e posso dizer que, em várias conversas com conselhos de redação, que eles preferem ter uma notícia lida 1000 vezes gratuitamente do que ter 100 pessoas a pagar para ler. Mas não é esse modelo de negócio permite que os media existam”, explica.
Mesmo quando há inovação, novos formatos ou infraestruturas, muitos media não conseguem dar continuidade a estes projetos, salientou Palmeiro. “Fica tudo parado. Não usam porque não sabem, não conseguem, estão preocupados em sobreviver todos os dias”, concluiu.
Por Luísa Torre